Um homem, uma cidade, uma era

 ‘’Vida longa! Vida longa ao século XXI!’’. Eram Estas, as primeiras palavras que eu escutava naquela palestra amaldiçoada. Olhando pela janela eu via a cidade. Era magnifica, deslumbrante e construída com um refino digno dos grandes arquitetos da antiguidade. Isso sem falar do local onde eu trabalhava... um local digno dos deuses, uma torre de porcelana. Uma torre de marfim capaz de fazer o Notre dame tremer! Fazer os templos Gregos submergirem na sua vergonha comparada à grandeza deste edifício! Vale-se notar, contudo, que o exterior não perdoa o interior, e aquele palestrante no palco falando sem falar nada, baboseiras atrás de baboseiras sobre como o ‘’bom trabalhador’’ deveria agir, quais são ‘’as boas metas’’ que deveriam seguir e mais um monte de baboseira! Soava-me familiar! Tão, mas tão familiar! Com uma pitada de ‘’batismo’’ e um tanto de ‘’ensino primário’’ que coisa agradável! Era tolerável... pelo menos. Claro, o tempo se arrastava num ritmo lento, na verdade voltar para o computador faria o tempo se arrastar um tanto mais rápido, mas essa lentidão que tornava os dias lentos, tão lentos, mas tão rápidos era tolerável. Curioso como um ano passava rápido tão rápido quanto o começar de uma guerra, mas os dias eram demorados, tão demorados quanto o fim da mesma chegar. Estava tudo bem. Era só não ter uma ‘’dinâmica’’... O palestrante então disse

- Então, senhoras e senhores, vamos seguir para a nossa dinâmica, peguem todos, um pedaço de massinha

‘’Puta que pariu’’. Eu admito, acabei soltando um palavrão. Não tenho vergonha, por quê teria? Só uma ou duas pessoas escutaram, olharam-me torno, mas ignoraram. Eu tinha que dar um jeito de sair daqui, ainda bem que se eu só deslizasse para fora ninguém notaria, e foi bem o que aconteceu! Olha que agradável, queria muito distinguir aquelas pessoas uma das outras, só que não consegui. Que agradável! E andando pelos corredores vazios daquela torre de porcelana, notei que a porcelana era barata, feita por mãozinhas mal pagas. Cortesia do novo milênio. Por isso, decidi caminhar pela cidade, aquela torre me cansou, parabéns não que isso importe muito. Já Já voltarei. Ninguém notará que desapareci! Apertei o botão do Elevador, entrei e apertei o botão para descer. O elevador não tinha música. Forma curiosa de oprimir a alma... masquei um chiclete então, já que cigarros também não eram permitidos, mas até uns anos atrás eram, na verdade era visto como ser alguém estiloso fumar! Tinha em todos os locais! O cigarro faz mal também. As pessoas fumavam mesmo assim. Nicotina e Alcatrão, o vício e a morte! Hoje em dia a nicotina é outra e o alcatrão é outro e é a mesma coisa. As pessoas sabem que é ruim, mas elas gostam! O ser humano é curioso não é?

O elevador parou no térreo, saí e sem mais delongas saí para a cidade. Escutei os sons dos carros, o cheiro da poeira e a cacofonia insana de vozes. Admito, senti-me mais em casa do que em casa. É legal, sabe? Estar entre a multidão... coisa agradável. Um clássico. Caminhei entre a multidão, meio sem rumo. Só queria passar o tempo. Confesso, uma parte de mim se sentiu culpado por estar fazendo nada, mas honestamente eu mereço esse descanso. Eu funcionário do mês! Trabalhador exemplar! Que outrora foi nota 10 na escola, na turma dos inteligentes! E que agora trabalha numa empresa qualquer, sendo um qualquer! O que me conforta é que eu sou igual a um executivo, eu sou um executivo, afinal ambos se só sumíssemos, outro iria roubar nosso lugar confortavelmente, recebendo o mesmo salário e fazendo as mesmas coisas, do mesmo jeito que se um pássaro morre, outro está lá para fazer a mesma coisa. O bom homem da ciência peca ao dizer que a nossa razão nos diferencia do animal. Somos diferentes em nada deles. Escravos da natureza. Ela se adaptou a nós. Lembro-me de um bom camarada, datilografo, que conheci um tempo atrás. Quando surgiram os computadores, o pobre bastardo perdeu o emprego e não se adaptou ao o que vinha, o século XXI. Aí virou mendigo e criticou ‘’os ricos sanguessugas’’ até morrer que nem um cachorro na rua. Bem feito! Sobrevivência daqueles que se adaptam, essa é a mãe natureza nos governando! O seu ‘’comunismo’’ que surgiu na sua miséria não o salvou da morte, nem deu nada bom para ele. Ele queria que por se afiliar a foice e o martelo tudo se resolvesse para ele... Um homem sem ação, sem vontade.

Após tempos caminhado, cheguei ao metrô, olhei o relógio, ainda tinha tempo. Vou andar um pouco mais. Paguei a passagem com meu dinheiro inexistente (maldito Nixon! Agora eu não tenho nada e sou feliz!) e entrei no vagão. Ele me entediava um tanto, mas era tolerável. Eu via os outros transeuntes com as roupas urbanas deles... moda estranha não? Curioso, curioso. É o espirito do século 21! Mas o espirito do século 21 está morto... está morto? A cultura não é algo flexível? Que muda a cada ano? O problema está quando essa cultura deixa as pessoas sem potência! Vergonha! Vazias! Deve ser por isso que para mim as pessoas são chatas. Ao olhar a pessoa (excluindo, é claro alguns detalhes da vida pessoal dela), eu já adivinho os gostos dela, o que escuta, o que ela pensa... as pessoas não se tornam então empregadas de mim? Se eu trocar uma pessoa por outra, não é difícil... As pessoas me entendiam, na verdade esse mundo me entendia. A literatura me estragou mesmo, agora não tenho essa boa ignorância deles, bem como queria. Na verdade, eu me odeio. Todavia, sou honesto quanto a isso! Prefiro me odiar por um milhão de anos do que fingir que me amo, pois me odiando sei como aprender a me amar de verdade... É por isso que o espirito do século XXI está morto! Pois as pessoas mentes! São preguiçosas! Um rebanho! Eu gosto de ver manifestações nas ruas, eu acho-as engraçadas demais! Pois esses indivíduos acham que gritas vai mudar algo! Não! E depois ficam chupando o dedo amaldiçoando os ‘’inimigos’’... o ser humano não muda.

O trem parou. Saí, caminhei um tanto mais e parei numa cafeteria, nela tocava o bom jazz... aí está, o espirito perdido do século XXI. Entrei, pedi um café e aproveitei o bom som... enterre Kafka no século XX e Dostoiéviski no Século XIX, e revivam o Século XXI! Quando as pessoas não eram todas as mesmas e escravas... Não importa, vamos adiar isto para a próxima década, não importa mesmo... por enquanto, vamos aproveitar esse bom século...


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